sexta-feira, 5 de março de 2010

Fevereiro ou um Mediano Destino




Quando dei por mim,

desatino,
um outro sem aviso,
pedrinha a mais no caminho
do caminho estreito
menor que a pedrinha.

Um desvio de rota
levou meus dias e noites
para um esquife boiando sobre
pneus e destroços desse arroiozinho
que nasce em Viamão e vem descendo,
singrando avenidas da cidade,
passando por este hospital,
chegando no Guaíba,
conversando com tantos rios
até que o mar o devolvesse.

Não levara moeda para Caronte...

Média vida breve,
mediastina morte lenta.

Sobre o Dilúvio ensombrecido,
passo por Deus e pela cidade
do tratamento intensivo,
escoando em sondas.
Na ponta nós.

Porões de um tibet catártico,
esofágico destroço, entubada-extubada,
pontuado por dedos e laços.

Na ponta, Nós.

A grande neblina lembra,
Ainda aqui?


E outro sol depois de muitas chuvas,
pulmões submersos rolando arroios.
Mais pontas a examinar o fim,
a lançar olhos nas sombras
que embebedam o ar.

No colo da morfina, no colo dos meus pais,
no colo dos meus filhos, a mão de Antonia segura
a mão de Nossa Senhora que segura a minha mão,
que me ergue e diz, Vai, não olha para trás,
tu és sal, poeira, um montinho de temperos
com uma pedrinha a menos no caminho,
com um tempo a mais para dizer,
essa tua doença de não calar,
com a tua mania de te apaixonar
pelos fiozinhos d' água, pelo mar
pelos barcos e pelos homens que te beijam.

Um comentário:

  1. Agora, sabendo do que aconteceu, li o poema e me emocionei com as palavras. Como consegues tornar tão bela uma (quase) tragédia?
    Bj!

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