quarta-feira, 15 de novembro de 2017

dois dias depois do findi
madame ding ling traduzia as regras de etiqueta
de madame ho chi minh na calma do jardim

flores brotavam com pensamentos assim,
saídos da interpretação chinfrim

quanto mais olhava
a floração de cetim
mais lembrava quanto era ruim
ter tanto conhecimento de mandarim sem nenhum fim

pensava com pensamentos de botequim:
querubim deve ser como
a flor carmim
mostra o pingolim para o céu
esperando que a deusa
diga sim, tocando bandolim

p.s.no último boletim consta
que isto aconteceu no
Bomfim

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

de novo sonhei com o chico buarque
de novo eu era a moça do sonho que ele sonhava;
o clic súbito de uma luz,
nas mãos que vagavam
nas nódoas, nos pressentimentos das panelas por lavar,
desfizeram o dia, uma voz me conduz...
deixo homem e filho ao deus dará

mulher, vem me salvar deste mundo de araque
me seduz que estou a creditar
será coisa do face, da rede, do conhaque?
será causa do sonho que me sonhava?

mulher, vem me ocupar, tu é o meu destaque
tá faltando arroz, leite e oxigênio
na escola tem filho pra pegar,
vou sair pra caminhar sem arrependimento,
ocupar a valsa de uma cidade
prestes a dançar

esta noite sonhei com o chico buarque
estava a me cantar morena dos olhos d'água
não sou morena, nem ana de amsterdã, sou claque,
canção, mulher de almanaque, de lida e tesão

que sabe a duras penas quanto custou atenas
por debaixo das saias, quanto ataque,
gás lacrimogêneo, pancadas e bandeiras

mulher, sou tua cantiga,
tua amiga, a mesma
que refletia tua estrela no espelho do corredor

em vez de lavar roupa vou sair pra redenção
na pista circular, chamar meu nome sem parar

coisa antiga é o nosso amor
é sanha, é tara à moda antiga
deixei louça na pia, migalhas na mesa e a minha dor,
um ciclone a rodopiar
vou sair pra caminhar
Nhoque, espumante e revelações no almoço de hoje com a senhora das armas. Pois me contou que sua mãe namorava escondido nos idos de 1911.  Foi seu amor de adolescência, o primo Atahualpa, filho do seu tutor e tio. Havia um tutor, sim, pois a sua mãe, minha bisavó, havia se separado do marido em 1900 (este capitulo já contei pra vocês , está lá, mais para trás) e se casado de novo, não era "bom  criar os filhos num ambiente assim".
Este amor pelo primo, foi proibido pela mãe do mancebo que ameaçou enforcar-se no porão da casa, se insistissem. Fim de assunto. A minha avó foi apresentada a outro pretendente, casou, teve sua família, minha mãe mais quatro irmãos. Contava esta história rindo com os olhinhos bem apertados, uma indiazinha marota, arrematando que no decorrer da vida a tia suicida lhe pedira perdão entre lágrimas, tardiamente arrependida. Hoje a mãe repete esta história, achando graça, entre um meio ponto e um ponto alto.
novembro vai passar inteiro
de um a trinta, aposto,
palavras enlaço, não largo,
ainda estranho o suspiro preso,
atado no arco, alvo certeiro;
se a flecha alcança o que gosto
e o desejo encarna tudo que apago,
partilho o peso
do aço que tenho no peito
que corta e lembra
chegando daqui e dali
de onde vier,
um pedaço de terra, um pingo de chuva,
da mão o afago,
cocô de passarinho,
uma luz amarela raiando na manhã,
um clarão que não passa,
o olho que não mede olhar,
que abre a casa e quer assim,
igual a mim,
eu quero é sentir do fundo da minha alma,
que se possa  acordar o mundo,
(canta mais),
deixa assim, voz de cetim,
quantos jobins na volta do jardim,
tantos afins pra viver um dia solar
tem vezes que vai embora
desaparece
tem dias que vem alada
de mim não sai nem com
fogo
sei de memória a promessa
e o engano gravado
nego
subtrai, devasta, perde a hora
pego
a maldita palavra, a bendita palavra
fica
o primeiro jardim foi o paraíso
o segundo fica debaixo do meu nariz
o tempo é o seu adubo
meu filho tempo, meu irmão, meu pai,
o belo poder, as minhas rugas, as minhas atrozes flácidas pelancas, (ainda posso me agachar para arrancar ervas daninhas)
que entra, que sai
sem nada perguntar