domingo, 28 de março de 2010

Como uma canção


Fazes crer,
que o amor chega
em alguma depressão do jardim,
é tão próximo,
cresce como erva daninha.
O ar faz a combustão,
e respiras para não esquecer,
não esquecer,
de teimar, de queimar.

Acreditas que só no sul
encontras o sol,
que a rima é um brinquedo,
de coração e metades.
No sul o frio é azul, é azul
(minto, minha mente esquece facilmente,
no sul o frio é cinza como o meu corpo),
como o céu, como idéias lentas
que não passam, que não chegam,
nuvens sem vento em qualquer lugar.

Fazes crer que ele chega
na raspa de um prato
de massa parafuso
com molho de alho, de alho.
Pode ser que venha de barco
descendo fios de ovos, de ovos,
empanando do-re-mis,
com a crosta do mistério.

Amor, não há chance! Não há!
Lança os lenços, como lanças canções,
digo adeus enxugando as mãos, as mãos,
nas cordas, nas costas, nas pontas,
volto à depressão do jardim, com azia, com azia.
Amar é tão bom, blimblom,blim,blom.

arabesque


na parede arabesco,
barata alfinetada
em fuga
asas marrons
douradas de luz,
pequenos pontos
adejando, desejando
a espiral

é já bastante voar,
espetada,
arabesguisada,
despindo véus,
bruma nua
enevoada em teu colo

é já bastante
ser púrpura no batom
e não na fita que enrola
o pescoço da benção,

é já bastante ser ar,
firme no andar solar,
no voo, polén,
arabesco, arabesque enrolando
a mecha divina
do teu cabelo

quarta-feira, 17 de março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

By Helena Ortiz


BOM-DIA AURORA


Queremos milagres, mas mantemos os velhos costumes.
Queremos alegria, mas é a melancolia que se abate sobre nós.
Queremos chuva quando sol e sol quando chuva
Nosso cabelo é crespo, liso, armado, preto ou branco. Não gostamos.
Nossa unha encravada é mais importante
que a Terra inteira o tempo e toda a história
Viajar para outros estados de consciência não para fugir, mas para encontrar a parte mais sensível do que somos, outros mundos, outras dimensões. A aurora se oferece.
Bom dia, bom domingo, boa sorte.



Contradito
.
todo o tempo me dizem: não és nada
não tens credo
nem amor
não existes
.
mas acordo e te vejo
Sol obtinado
e sei que me coubeste

quarta-feira, 10 de março de 2010

Canto do Estrangeiro


Viria como um rei
Se fosse por vontade tua.
Tão remoto no tempo
Da tua vida
Que nem te tocasse.
Viria com a alvorada,
Quase miragem debuxada
De uma ave
Sobrevoando a tua história.
Sem te possuir
Nem te pertencer,
Para o teu prazer um aceno
O mais natural
Seria o meu sinal no longe,
Isento de paixões
E cheio de glória:
Nada semelhante
À paz que sucede as guerras
No regresso de um Ulisses
Vagabundo,
Exausto de triunfo, como eu
Que penetro o teu mundo
Envolto em sombra
E para sempre me despeço
Ao desfiar a púrpura
Que a espera pôs
Nas tuas pálpebras.

O múltiplo violão de Toneco


Ele veio de Pelotas para Porto Alegre no iniciozinho dos anos 70, praticamente junto com Kleiton e Kledir. Tocava violão com a turma deles, que ainda nem pensavam em formar o grupo
Almôndegas.
Em 1973, começou a acompanhar o também iniciante compositor Fernando Ribeiro nos festivais estudantis e é esse o ano que se pode considerar como o primeiro da carreira de Toneco da Costa. Tocou e gravou com meio mundo, liderou grupos, e nunca investiu pra valer na exposição do próprio trabalho. Mas com Inverno, o disco de estreia, sempre cobrado e só agora lançado, ele paga a antiga dívida. O CD é tão bom que compensa a longa espera. Quem se acostumou a admirá-lo em shows de outros, aqui tem a exata medida da capacidade violonística e autoral de Toneco. Nem pestanejo ao afirmar que é um dos maiores violonistas do país, tocando o mais puro
violão brasileiro. Reúne precisão técnica e sensibilidade, sabe ser enérgico e suave, conhece
muito porque estudou muito e praticou muito. O disco começa e termina com a composição
Inverno em versões muito diferentes; a primeira com violão e a gaita ponto de Renato Muller,
a outra com violão, o sax soprano de Pedrinho Figueiredo e apercussão de Fernando do Ó.
Toneco divide o álbum em Suíte 1, com 14 temas (ou movimentos), e Suíte 2, com três. A classificação faz sentido, pois o diálogo entre o popular e o erudito é constante. São sete temas de
violão solo, um mais bonito que o outro. Há arranjos para violão e mais um instrumento, como
o violoncelo de Celau Moreyrano tema clássico Estudo em G; para dois violões (o segundo é Thiago Gonçalves, filho de Toneco, seguindo as pegadas do pai), como em Choro da Cidade; e para mais instrumentos, como em Marjorie, a faixa mais vigorosa e seus ares de chacarera, também com Pedrinho e Do Ó. Deixo de citar outras, pois quanto mais escrevo mais falta dizer.

@ Lançamento Fumproarte,
à venda no site Antares
Música.

domingo, 7 de março de 2010

Esquina Maldita



Na minha cidade

Existe um ouriço que é permanente

Do vamos fazer, crescer, surgir

E permanecer

A letra, a tinta, o pincel

A voz, roucos, calados

Entrevigiados, cortados, pendurados

À luz da esquina desta cidade

Que espera no tempo que o tempo se apresse

Com sua esquina do Copa 70

Do Alaska sem frio

Do Estudantil

Que antene seus rumos

Discuta o sucesso

Do filme, do som

Da ordem-do-dia, do que fazer

Chegar a outro dia

Arrastar seus copos

Que estamos fazendo

Aguardando que o tempo

Nos mostre o caminho

Que a gente escolheu

sexta-feira, 5 de março de 2010

Fevereiro ou um Mediano Destino




Quando dei por mim,

desatino,
um outro sem aviso,
pedrinha a mais no caminho
do caminho estreito
menor que a pedrinha.

Um desvio de rota
levou meus dias e noites
para um esquife boiando sobre
pneus e destroços desse arroiozinho
que nasce em Viamão e vem descendo,
singrando avenidas da cidade,
passando por este hospital,
chegando no Guaíba,
conversando com tantos rios
até que o mar o devolvesse.

Não levara moeda para Caronte...

Média vida breve,
mediastina morte lenta.

Sobre o Dilúvio ensombrecido,
passo por Deus e pela cidade
do tratamento intensivo,
escoando em sondas.
Na ponta nós.

Porões de um tibet catártico,
esofágico destroço, entubada-extubada,
pontuado por dedos e laços.

Na ponta, Nós.

A grande neblina lembra,
Ainda aqui?


E outro sol depois de muitas chuvas,
pulmões submersos rolando arroios.
Mais pontas a examinar o fim,
a lançar olhos nas sombras
que embebedam o ar.

No colo da morfina, no colo dos meus pais,
no colo dos meus filhos, a mão de Antonia segura
a mão de Nossa Senhora que segura a minha mão,
que me ergue e diz, Vai, não olha para trás,
tu és sal, poeira, um montinho de temperos
com uma pedrinha a menos no caminho,
com um tempo a mais para dizer,
essa tua doença de não calar,
com a tua mania de te apaixonar
pelos fiozinhos d' água, pelo mar
pelos barcos e pelos homens que te beijam.