quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Herdeiros Híbridos

Coquetel


depois que sai

do corpo moribundo

o último exalo

dissolve uno

nada se pega


autoria, assinatura

que da vida leva

o nome na pedra dura,

memória do pó


sendo o ser tão só,

o dever de juntar semente

o coloca temente

na lida de toda hora

da vida de todo dia


o tempo arguto

descansa da sesta

a peçonha caminha certa.


larga a labuta,

tomemos cicuta,

esperando a eternidade.

Ofício


cortei da carne

naco do corpo

salguei, consagrei

tiras de vários desafios,

desatinos a mim concebidos.


cedo os dedos, não as rimas.


quero o livro vestindo minha pele,

simples como a faísca do ofício

que me colocou descarnada

no fim da poesia

Convite



hoje abri o ventre

boca cheia de semente

estrela boiadeira

molhada no horizonte


no pano do teu cheiro

rastreio cor

planto convite


se vens, deixo o vento,

abraços ainda prendem

o infinito brilho do teu olho

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mar



Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

insônia



a insônia invade a cama,
como onda de tsunami, chama
a mim de meu amor, clama
por um corpo virado, revirado
no lençol de poliester suado.

aproxima a lente de aumento das minhas olheiras,
tempo driblado
morfeu sem carnaval, de primeira.

nenhuma sonolência proclama
estados letárgicos.
o ácido é o passado a limpo
e o extase lisérgico,
ligeiramente elo
de um zolpidem hemitartarato,
vulgo stilnox, tomado
com a urgência de quem tá
de bobeira, babando no tarado.

enquanto o travesseiro
sonha com plumas,
fumas
com serge gainsbourg.

A raiva é tudo


A raiva é a mãe
que amassa os fatos,
com a força de um urso abraça.
Tritura a espuma do canto da boca, cospe
os céus antes da tempestade ultrajante.
A raiva é o soco no ar, raio mudo,
sopro moendo a escuridão.
A raiva morde a mão da canção.
Profana minha paixão,
faz do adeus tudo.

Eu quero


Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um para o outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos quer os quantos haja.
Tudo o que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial, o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão, o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

Filhotes


filhotes são cães,
filhotes são grama,
filhotes são cinza,
filhotes são crina,

filhote da imaginação,
faz a música deste caminho
onde a urina cruza com a semente,
e a cria humana grita
como bicho graxaim,
zebra, curumim, demente no grão,

no cheiro, na marca, no pelo, no rabo,
no olho que paira, fisgando a ti, arisco que teme
mais que nenhum, a sina de ser caçado,
de ser a isca, de ser algum joão
coberto de finitude e lama,

nenhum folclore te ilumina
e ninguém te dá a pata.

Unicórnio


Hoje deixo os bons costumes...
bebo perfume em copo de requeijão,
e aviso: chanel, não me uses!

A noite tomou minhas gotas,
jogou pérolas no chão,
disse não em todas as instâncias,
passadas com lâmina e spray.

Dos meus afagos e manias
finamente tostados no grão das especiarias,
narciso se torna inço junto ao rei!

Na tua rara surpresa,
tudo é consagrado ao buril.
Dedilhas sons, sopras constante,
harpejas na musa senil

Se tudo vem como presente,
ao tempo agradeço
o futuro é hoje

Basta de grifos na pradaria,
prefiro o unicórnio
depois de amansado com ironia.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Que felicidade!


Que Felicidade!
A rima é uma verdade,
combina dia com noite,
amor com açoite.

É tão fácil,
vem sempre ágil,
confunde coragem,
com alta voltagem!

Se atira de cara,
na minha poesia,
e da alma agarra,
um pouco, a vilania.

Assim diz a canção,
não hesite, tudo é refrão,
é só a fatia de um coração.

As duas faces da felicidade

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

madre muerte



camino por la calle

en la calzada de la izquierda

automóviles no pasan

la claridad, la luz, desde donde vienen?

cielo no es

no hay personas en la dirección opuesta

atrás, adelante, en la calzada de la derecha, sí

pero procesión no es

los árboles no tienen peso

pájaros no hay

el paso rápido de los adultos

y sus rostros siempre en frente

no los deja poner distancia

de algunos niños que los siguen

pasito apresurado

cerca al almacén reduzco

estendo mi brazo al lado

así que la niña toma mi mano

firme la alzo sobre mi cabeza

la leveza casi le hace volar

la sujeto en el aire

entre sus pelos negros no se vé los ojos

pero su sonrisa -

que és la de mi abuela, de mi amante, de mi hija -

serpentea, pega-se en mis antebrazos

en la continuación del movimiento doble

ella me lanza en lo aún más alto

donde, flotando

miro a las casas pequeñas con sus

ventanas geométricas

los cristales negros de la calle

los hombres que no están

la hoja de arce rojo que brilla y baila

en el viento que no hay

como a despedir-se

y es bueno

decididamente bueno

Pirata & Sereia

Guarda sereia,
meu amor pirata.
Que pilha da noite,
quase nada:
minh'alma farrapa,
café com pão,
esquina e coração.

Cadê meu espelho,
minha sorte, meu tino?
Desembarquei sem destino,
em cada garrafa jogada no mar.

Guarda sereia,
meu amor pirata,
republica e manhã,
reflexos de sol,
a cidade baixa no chão.
A cidade é a maçã,
para o meu monarca.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Barco




Margens inertes abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.

Um grande barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.

Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

"de guaxos e de sombras"



Don Segundo, sombra andarilha,
por acaso no caminho, onde o traço
procura a luz de cada causo,
de cada trago.

E se por sorte o guaxo,
solto por natureza se ata,

não é por destino.
Carece o desatino da prisão.
Acata tinta,
pois dela outro borrão da história,

prende a mão do contador.

Nuvem de Santa Tereza

flor de ano novo

domingo, 2 de janeiro de 2011

Fronteira

Maracujá abriu-se:
Mil pontos luzindo sanguíneos
a cor do céu.
Pensamento alforriado
de uma terra à outra,
água de ninguém.
Ao léu, a linha marca,
tange a bandeira que falta
no meu e no teu mapa.
Mil pontes sob o mesmo arco
costurando a luz.
Sangrado em parca semente,
um ponto junta-se
onde tu e eu
somos metade.
Abre-se o fruto:
mil pontos luzindo a dor
que nos desata.

Museu Atelier

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011


Esperei até o último momento para desejar a todos, principalmente a todos os que se lembraram de mim e me acompanharam durante este ano, um Feliz Ano Novo.

Esperei porque queria oferecer-lhes algo novo. Mas depois de tantos novos anos, o que me ocorre é a velha palavra, a mais bonita, a que mais perseguimos e pedimos: esperança. E mais: que não nos abandone, não deixe que o peso dos anos vá apagando a chama tão necessária para continuarmos olhando para o futuro. Se será bom, se não será, isso não vem ao caso. O que importa é que estamos aí, e cada um de nós, de formas diferentes, enfrentamos nosso próprio destino.

São as mesmas as perguntas e indecifráveis as respostas. A velha palavra é, todos os anos, a mais nova, a mais capaz de nos fazer juntar forças para enfrentar desacertos, fatalidades e espantos.
Nunca contamos se durante o ano passamos mais ou menos contentes. Mais indignados do que entediados. Mais orgulhosos do que simples. Também não interessa. Passou. Agora é olhar o que vem por aí, e não é novidade para ninguém as palavras do poeta: "O primeiro amor passou, o segundo amor passou, mas o coração continua". A poesia sempre estará aí para nos salvar. E com ela estamos prontos.