terça-feira, 30 de agosto de 2011

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

como



como todo o mundo
quero a alegria
de tristeza leve o diabo
essa morte do dia a dia

setembro



não estamos sós
setembro vem
com o desvelo da semente

ronesta é meu nome



uma atrás da outra
palavra perfilhada
com mel e falsidade,
tumba plagiada
querendo oscar wilde

nem vazia, nem oca
ironia e mais nada
falsa maldade
carpindo fechada
salgando onde arde


vingança



e agora vem bater asas na minha vidraça,
me escorraçou pro escuro, me deixou cinza
por dias a fio

sem graça abro os braços
nua atrás do brilho fingidor
um segundo de luz

desfeita visto lentamente
a roupa de capuz
e ligo o gás

ausente

onde andei que a ti não vi
rondando de olhos apertados
na minha saudade

não por falta de lembrar
nem de sonhar todo o santo dia
a mão cheia de primavera

que tocarias no lábio por primeiro
engolindo o arzinho de jasmim
que te dedico de todo o coração

e também o voo de todas as vontades
para que continues aninhando em mim
vestindo musica e paixão



este amor



triste de não ter o mar
quebro a taça, arrependida
imperfeito céu este amor
perfeito como a vida

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

histórias da carochinha



dona ousadinha se apaixonou por seu malandrinho
não tiveram filhinhos, mas criaram gatinhos
para fazer tamborim e churrasquinho
primeiro na esquina, alimento sustentável,
depois na escola, cuíca inseparável
de bistrô e academia,
uma rede inesgotável,
viveram ricos e colunáveis,
paparicados por plagiadores

amantes incansáveis da boa vida
separaram seus corpos murchos para o bisturi,
legando partes para galerias e cantores
e outras para orgias da bela dividida em dúvidas
foram felizes, cada um no seu corrimão, ali
tomando banho sentados em banquinhos de madrepérola

terça-feira, 23 de agosto de 2011

um dia na estrada



redes sociais - f-world


Assuntos preferidos: as trivialidades do Eu; Eu; Eu. Assuntos preteridos: as trivialidades do outro Eu; Eu; Eu. Morreu o Jorge Lima Barreto e Vitor Rua escreveu uma frase exemplar e cito: um rouxinol na ordem zero. Estou quase na praia, descalça. Estou quase a dizer adeus a Portugal das televisões e jornais. Estranho país, este país onde tenho de ler com mil cuidados. As redes sociais são ricas em areia do deserto. Lamento. A exposição do Pedro Cabrita Reis não interpela, não assusta, não nada. Os pastéis de Belém são um monumento. As sardinhas ainda não me impressionaram. Os pimentos são sempre muito, muito bons. O Partido Socialista vai atravessar um deserto. O PSD reproduz o que anteriormente obervara nos maravilhosos meios de comunicação social controlados por militantes e simpatizantes deste partido e do entretanto desnecessário e moribundo Bloco de Esquerda. Manuela Moura Guedes não tem vergonha na cara. Mais notas diversas: em Lisboa vejo muitas pessoas com telefones espertos. As mulheres andam muito bonitas e trazem os cabelos longos, bem tratados. Andam, bem, nos saltos altos. As pessoas engordam muito, não estou certa? Os bloggers conhecem-se todos e vivem dentro de cápsulas. Percebi hoje que se escreve nos jornais por zero euros. A perversão desta prática condena imprensa e colaboradores a morte certa. Também lamento. Detesto o Facebook do Google. Gosto muito de escrever e comentar e contribuir e isto e mais aquilo e alegria no universo Jugular. Um livro magnífico sobre João dos Santos, um rouxinol na ordem zero com licença do criativo e chalupa Rua. Um rouxinol na ordem zero. E daqui escrevo, descalça, e aqui leio tudo, descalça. Fim destes assuntos, em francês diz-se au revoir porque volto já.

Te quiero




Un lago en una isla
eso es tu amor por mi,
y mi amor te rodea
como un inmenso mar
de silencios azules;
pero tienen tambien
tus grandezas ocultas.
Soy un nido de sal
sobre tu falda;
me sostienen tus prados
submarinos,
eres frondosa cumbre,
eminencia visible
de tu tierra profunda.
Me enriquecen los rios,
y tu amor, ese lago
corazon de la isla,
es la fuente de todas
las liquidas comarcas.
Te haces querer. Te quiero.
Mira mis blancas olas.

ir para o mar


ir para o mar
como quem procura a si
na areia deixar rastro
que o mar volta apagar

a vida é assim
este vento no rosto
essa vontade dando voltas
até chegar aqui

MARCELINO FREIRE


Rapidez. Concisão. Dinamismo. Precisão. Bom humor. Acidez. São essas as promessas do escritor Marcelino Freire para sua coluna, que estreia amanhã no caderno Metrópole. Antenado com as redes sociais, Marcelino quer trazer para seu espaço a agilidade do Twitter e a interação do Facebook. "Sempre gostei das micronarrativas", explica. "E quero interagir com os leitores, quero que eles participem também de meu espaço."

Marcelino ainda pretende fazer de sua coluna, que será publicada quinzenalmente a partir de amanhã, um local para celebrar a diversidade de São Paulo e comentar os absurdos que percebe no cotidiano da metrópole. "Escreverei sobre as coisas que me afetam. Sem deixar de lado o meu afeto pela cidade", trocadilha. "Sempre com atitude, humor e personalidade."

Autor dos livros AcRústico (1995), eraOdito (1998 e nova edição em 2002), Angu de Sangue (2000), BaléRalé (2003), Contos Negreiros (2005), RASIF (2008) e o recém-lançado Amar É Crime, Marcelino é um dos mais elogiados autores da geração contemporânea. Vencedor do Prêmio Jabuti em 2006, é o criador e organizador da Balada Literária, festa anual que reúne escritores e leitores em bares, centros culturais e livrarias da Vila Madalena.

Nascido em Sertânia, Pernambuco, em 1967, Marcelino é o caçula de 14 irmãos - dos quais somente nove vingaram. Teve o estalo de se tornar escritor aos 9 anos de idade, quando já morava no Recife. Leu um poema de Manuel Bandeira (1886-1968) no livro escolar de um irmão e ficou fascinado. Pediu uma obra dele de presente. Ganhou Estrela da Vida Inteira. E a vontade de ser poeta confirmava a observação constante do pai, que insistia, desgostoso, que Marcelino era um "menino muito aluado".

A obsessão por micronarrativas veio aos 16 anos, quando leu Historias de Cronopios e de Famas, clássico de Julio Cortázar (1914-1984). "Descobri que podia escrever curto e sobre assuntos improváveis", explica. Esse gosto se aprofundou com os haikais de Paulo Leminski (1944-1989), os microcapítulos de Machado de Assis (1839-1908), o texto conciso de Graciliano Ramos (1892-1953), as fábulas de Franz Kafka (1883-1924), as frases curtas de Ernest Hemingway (1899-1961)... "E até com a Bíblia, dividida em versículos que cabem nos 140 caracteres do Twitter", acrescenta.

Essa predileção por dizer muito em poucos caracteres veio muito antes do Twitter, portanto. "Eu não entendia o que era isso de Twitter que me mandavam entrar. Era um novo túnel em São Paulo? Uma nova estação de metrô?" Rendeu-se em 4 de junho de 2009 - desde então, já são mais de 1,2 mil posts e 5,2 mil seguidores em seu @marcelinofreire, onde contos curtos não faltam.

Biografia. Adolescente, Marcelino arrumou emprego em banco. Começou como office-boy, depois virou escriturário e, por fim, revisor. Essa rotina durou até 1989, quando decidiu pedir a conta para tentar tornar-se escritor - ele já fazia faculdade de Letras, curso que jamais concluiu.

Dois anos depois, mudou-se para São Paulo, cidade que ainda não conhecia. "Lancei meu último livro, Amar É Crime, em 13 de julho. Exatamente 20 anos após me mudar para São Paulo. E, veja só, já vivi mais tempo em São Paulo do que em qualquer outra cidade", comenta.

Ao chegar, morou de favor na casa de um amigo em Aricanduva, na zona leste. Uma edícula. Mas conseguiu rápido trabalho de revisor em uma agência de publicidade e logo se mudou para uma travessa da Avenida Paulista. Viveu também no Bexiga, até encontrar seu cantinho paulistano: o bairro da Vila Madalena, na zona oeste, seu endereço desde 1995. Mora sozinho. Ou melhor, na companhia de quase 400 pinguins de geladeira - sua absurda coleção.

Entre trabalhos fixos e frilas, atuou como revisor publicitário até 2006. "Enquanto esperava um anúncio de margarina, escrevia um conto." Assim foi lançando seus livros. Até ter uma agenda como a de hoje - participa de mais de cem eventos literários por ano, viajando a grandes capitais, como Rio, Salvador, Brasília e Recife, e a cidades como Cachoeira (BA), Campina Grande (PB), Ourinhos (SP), Passo Fundo (RS) e São Leopoldo (RS). "Sou militante da literatura, uma versão arrumadinha do vendedor de poesia da frente do Masp, um camelô de meus livros."


planuras


Planuras, banhados, aves voando pertinho do solo, chuvas esparsas, céu claro com nuvens se espelhando nas aguadas, vegetação farta, macegas altas, junquilhos, homens cavalgando ao longe, uma sensação lenta de passado, tempo vagaroso, sons de insetos e rãs.

A hiléia dos teus cabelos



( do Carlos Eugenio Petrucci)
- Gostaria de me embrenhar na hiléia dos teus cabelos...
- Pô cara! Enlouqueceste? Piraste?
- Como assim? Respondo com a voz um pouco trêmula.
- Ora, como assim... Há dez segundos tu estavas contando uma das histórias da tua vida, de como querias mudar o mundo na tua adolescência, e do nada, vens com essa frase nada a ver?
Completa e absolutamente fora do contexto?
Respirei fundo, tomei mais um gole de cerveja e, ainda sem o domínio completo da voz, olhei com força no fundo dos olhos dela e respondi relutante:
- Por uma vida inteira, inteira mesmo, por mais de meio século, sempre esperei uma oportunidade para dizer ou escrever isso. É um inferno!!! Jamais surgiu um única chance... Talvez até tenha havido uma ou outra oportunidade, quem sabe, mas nunca falei. Então resolvi dizer assim mesmo, sem preocupação com o contexto, sem me importar sequer com o corretor gramatical do Word que insiste em sublinhar “hiléia” com uma cobrinha vermelha. Foda-se, agora tá dito!!! E escrito!!!
- Tá, tá bom... Voltando ao assunto...
Me recompus, fingi ajeitar a manga da camisa, cocei uma coceira inexistente na orelha e prossegui:
- A Da. Neusa era uma das minhas professoras preferidas. Bastante exigente e severa, mas eu era apaixonado por ela. Era o que hoje poderíamos dizer ser uma híbrida da Margareth Tatcher e do Stalin.
- E ainda assim gostavas dela?
- Gostava! Gostava porque ela procurava combater a minha timidez, com as armas que ela tinha. Professora de português, com frequência ela me obrigava a dissertar sobre qualquer coisa, na frente de todo o mundo!
- Grande coisa...
- Tá. Certa vez, ela pediu que nós, os Experimentais, percorrêssemos o bairro a procura de cartazes e placas que contivessem erros gramaticais e ortográficos. Era nosso dever alertar os proprietários das lojas, armazéns, botecos e oficinas, e esperar que corrigissem.
- Vocês eram muito metidos, hein?
- Nós éramos Experimentais. Podíamos tudo. Podíamos mudar o mundo.
- Senti firmeza, comecei a gostar... Continua!
- Os invernos eram rigorosos àquela época. Final de tarde, eu estava encarangando de frio na parada de ônibus ali na Praia de Belas, junto a Botafogo, sob um imenso salso chorão. O Guaíba, gélido, estava a poucos metros dali, acho que o aterro recém estava sendo feito. Putz, e essa droga de 78 que não vem.
- 78?
- Pô, tu és alienígena ou alienada? O 78 era a linha de ônibus, fofa. De repente, olhei uma pequena oficina na calçada oposta e vi uma placa com os dizeres: “CONCERTA-SE SAPATOS”. Dois erros crassos e brutais. Era tudo o que eu precisava prá começar a mudar o mundo! Só faltava a coragem.
Era na verdade uma pequena casa pintada de amarelo desbotado cuja fachada se projetava até a calçada. Havia uma abertura grande, como se fosse uma porta de garagem e, ao lado, uma janela. Meio na penumbra, consegui ver que havia no interior um balcão e atrás dele, um senhor de barba branca trabalhando.
- Que idade tu tinhas mesmo?
- Sei lá... Acho que foi na segunda ou terceira série. Talvez eu tivesse doze ou treze anos. Bem, como o ônibus demorava a vir, me enchi de coragem e atravessei a rua. Encarei o velhinho... Acho que fingi ajeitar a manga da camisa, cocei uma coceira inexistente na orelha e falei com voz de bombinha de São João que não explodiu:
- Senhor...
O velhinho levantou os olhos e me olhou por sobre os óculos. Havia nele uma doçura, uma bondade, um calor humano, um sei lá o quê, que me atingiu como um tomate maduro.
- Sim?
Gaguejei um pouco. Recuei um passo. Procurei um pouco de ar, já que o que havia estava rarefeito ou inexistente. Do âmago do meu ser, do fundo da minha alma, das entranhas da minha curiosa existência, balbuciei:
- Quanto custa mesmo uma meia-sola?
E assim, naquele exato momento descobri que, mais que mudar o mundo, é preciso compreender a essência de todo o ser humano, a começar por nós mesmos. E eu pude me compreender um pouco melhor. Mudaria alguma coisa explicar ao velhinho o erro ortográfico e da voz passiva em sua placa?
- Passiva seria a tua voz, se tivesses falado.
- Tens razão. E a Da. Neusa jamais soube que eu não corrigi o velhinho. Aliás, ela jamais soube de muita coisa a meu respeito. Como ela era bem ajeitadinha e solteira, muitas e muitas vezes desejei me embrenhar na hiléia dos cabelos dela...

*Significado: Hi.léi.a
sf (gr hýle) Hist nat Nome proposto pelo sábio Humboldt para designar a
floresta equatorial que vai das encostas orientais dos Andes, por todo o
vale do Amazonas, até as Guianas.



Exemplo: A hiléia Amazônica possui o maior banco genético da Terra, ou seja,
é uma área de grande biodiversidade.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011



é madrugada, a manhã chega
nos olhos do meu amor
como idéia perfeita
café preto e pão quentinho.
é madrugada, o dia me leva
com seu raio de sol
e cantos de passarinho
à fantasia secreta
com beijos e carinhos,
a felicidade sonha,
nos olhos do meu amor

a madrugada finda no dia,
nos olhos do meu amor,
pão com manteiga,
café preto e fantasia,
pro dia nascer
raios de sol e um segredo,
dorme leve
como idéia perfeita
a felicidade acorda
nos olhos do meu amor

A Tabacaria


Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

senhas



Tinha de fazer uma transferência de um determinado valor de uma para outra conta. Putz! Não estava conseguindo concluir a operação. Bah! Já não sabe o que foi que esqueceu [login?!senha?!] desta vez. O certo em tudo isso é que nada se dava, a coisa não ia pra frente e nem pra trás. Resultado: se obriga a ir a boca do caixa fazer a transferência. Ainda lembrava a senha do cartão do banco. Nos miúdos de tempo que restavam no entremeio das lides seguia lendo o Muitas peles de Luiz Brás.

As lides do dia são muitas. Trabalho, cumprir prazos, tanto quanto possível se pôr claro – os deveres consomem o que podem do seu coraçãozinho que por fim já não recorda mais a senha, perdeu a chave do cofre, esqueceu como se faz a transferência de valores do virtual ao ato. Agora tudo se arrasta, confere tintim por tintinzinho do que ele tem, para ver se nada escapa, se tudo está como era pra ser. Já não vive sem um esforço, sem um cansaço.

Chega a noite. Aqui as lides já não são tantas. Contudo o seu coraçãozinho não descansa. Como poderá, à luz da lua, se pôr claro, como poderá dizer o que não se sabe dizer? Como ele fará pra estar sozinhozinho diante dela, quando todas as palavras viram serpentes, cheias de veneno, equívoco e contradi[c]ção [e aqui o c é somente uma pequena lembrança].

De repente ele lembra do Brás, que lembra Dinesen [Blixen], que faz lembrar que os corações do homem e da mulher são baús [adapto: cofres de guardados, de valores] fechados, onde cada um guarda a chave do outro. Xi, aqui, então, caberia somente um canto de desespero! Contudo, no entanto, de entremeio a tudo [inda haverá de se notar] vai o silêncio do antes, do muito antes de tudo, dos tempos onde tudo inda era inteiro e rotundo. Por fim, pouco resta a ele senão o recordar, o recolher ali das cercanias, das redondezas, as pequeninas migalhas [senhas] de redondo postas no silêncio de tudo, que hão de pô-lo tão plenamente sozinho em seu pequeno coração, que não mais haverá de se confundir, mas, isto sim, acabará por saber que lá no fim de tudo, tudo inda há de ser um.

a outra


juntando no passo
a migalha
caída como farelo de lua
entendo o cadafalso

escolha
de ser nua
a cada palavra
mostrada

noutra palavra
deixada no rastro
não mais meu
não mais tua



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

sábado, 6 de agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A arte de perder

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ”


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

poeminha psicotrópico para akineton




recolherei as stelazinas vencidas no céu

e te prometazina que transformarei,

e dissulfiran os biperidenos

em diazepans 5 e 10

gardenais serão livres no espaço

voando sem anatensol

mesmo assim, epelin que me

imipraminas com tegretol 25.

todo ele

amplictilmente serei feliz,

louvarei hidantoinatos em tua

amitriptilina, bem como

carbasepinarei lítios e

mais carbolitios.

oh, sais!

por fim, haldol me trifluoperazinará

o coração e o tryptanol a razão.

antabus , assim seja

terça-feira, 2 de agosto de 2011

As fontes


Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

passagem


quantas letras tem o alfabeto

quantas palavras se pode fazer

quanto tempo se precisa pra viver

posso viajar à lua duas vezes

não verei luar

e posso no intervalo

me apaixonar

ter filhos

me porei a amar

mais ainda as palavras

que não escrevi

com as letras do alfabeto

no tempo que vivi