sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A QUEM INTERESSA A GUERRA?


Cheguei de São Paulo toda lampeira, entusiasmada com a intensa movimentação literária, mas a situação no Rio conseguiu esmorecer esse entusiasmo. Não há entusiasmo que resista aos transtornos e tragédias da guerra. Tragédias pequenas, pessoais, de pequena repercussão. Filhos perdidos, vidas marcadas.

Os arrastões freqüentes em vários pontos da cidade já surgiam como resultado da política de "pacificação" das favelas cariocas, onde os pobres vivem acuados, entregues à lei do mais forte, seja polícia ou bandido.
Seria uma ingenuidade pensar que depois de perder mercado os traficantes não fossem buscar outras fontes. Aliás, se não fosse contra a lei isso tudo seria chamado de "empreendedorismo".

A televisão, o governo, grande parte da população apóia as ações belicistas e mostrou isso nas urnas, mas eu sigo pensando que ante a impossibilidade de impedir o avanço das drogas (a todo instante uma droga é inventada) a única solução pacífica é legalizá-las, e não fazê-lo, se não é burrice, é puro interesse pelo dinheiro (que não é pouco), que sustenta a corrupção.
A legalização seria o verdadeiro golpe no reinado do tráfico. É claro que não impediria o crime, mas certamente a lei serviria para organizar o mercado, captar recursos e investir em educação, que é o de que mais precisamos.

A operação de guerra montada pelas polícias do Rio e as forças armadas desencadeada no dia 25 e considerada um SUCESSO REPRESSIVO, não impediu, no entanto, que cinco veículos fossem incendiados durante a noite e não impedirá que o monstro criado com migalhas por uma sociedade racista e desigual tenha crescido, em força e raiva, e agora jogue seus tentáculos sobre a cidade que o ignorou. Tudo era previsível, e até demorou.

Durante toda a cobertura sobre os episódios assustadores que a cidade enfrenta não se ouviu uma única voz (sim, elas existem e são muitas) falando sobre a possibilidade de um novo modelo de política relativa às drogas. Parece que a guerra também dá barato. Tudo é feito como se confronto, repressão, prisão e morte fossem as únicas soluções para a segurança.
E vocês sabem que a gente colhe o que semeia. Querem guerra, aí está. Quanto estará custando? E quanto valem as vidas já perdidas?

PS. Ao recomendar que a população da Vila Cruzeiro se protegesse nos momentos da ação da polícia o jornalista da Globo disse que as pessoas não ficassem nas janelas e fossem para os corredores das casas.
Corredor, meu filho? Nunca subiu a uma favela e não sabe em que espaço habitam os pobres.
Talvez seja isso que assegure uma política equivocada. Tratam do que não conhecem. E quando conhecem, é só teoria.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Monsaraz


Que cor tem a luz que luz
ocre sobre branco,

sol sobre céu,
o lilás dos dias parados
?

Leve abismo sem cair,

Muros claros de pedra sobre pedra
enraizada ao sul.

Há crespos arbustos ressequidos de dentro deste sobre,

saindo para as calçadas,
como saem as viúvas enegrecidas,

lenço, vestido e sapato comendo a claridade.

À frente, estendida e verde,
fresca como gota de chuva na palma da mão,
a sombra de Monsaraz.

Do templo, arco, areia e cal,

e a única lembrança de nunca ter saído

do labirinto embriagador da memória.





Dos diversos instrumentos inventados pelo homem, o mais assombroso é o livro;
todos os demais são extensões de seu corpo.
Só o livro é uma extensão da imaginação e da memória.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Na janela



Fico na janela
como quem lembra ter plantado amores-perfeitos,
meu bem, meu mal,
debruçada na memória do pretérito imperfeito...
Minúsculo universo,
soleira e convergência
das ciências ocultas nos teus olhos.
Abraço o sagrado,
o eu enamorado do tempo
passa cego junto da fortuna.
Não devia ter despertado sob o teu signo,
nem ter juntado pedrinhas sinalizando o futuro.
Fico dentro,
bebida no fio de luz,
veneno que nos une,
tomado vagarosamente como porto seguro.
Fico fora
como reflexo de outro som,
ouro e sina de cantador barato na calçada.

Sigo sombra e herdeira.
Há beleza na palavra que não sei dizer.

INVERNO

quarta-feira, 3 de novembro de 2010