terça-feira, 15 de dezembro de 2015

apascentando rebanhos

longe tange dia longe
adiante-se  rega  da ultima luz
reflexo verde na dança leve da tarde
ninho lento, colo rosa,
gomo de laranja, gaita de boca, bosta de vaca
longe a noite empurra o paredão de estrelas mais além
vaga lumes vaga alhures dormem na grama
sonhando com a madrugada,
longe o balido de buzinas
adormece na cidade que se acende

o grande céu chumbo
me desgarra

perto o brilho silencioso das constelações
atravessa meu peito






segunda-feira, 23 de novembro de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015




e depois de todo aquele tempo
irão descobrir ensimesmados 
que pouco houve
e o vazio tomará conta
e a incredulidade que lhes dará os dias
findará a lembrança dos beijos, frases, sexo
começará a rotina de dias algentes
e serão mudos ao apartar as coisas da vida em comum
estará por fim um anúncio de vende-se apartamento
chamarão amigos e distribuirão a mobília
inventarão novos dias
acenderão velas pelas noites
nas fotografias ainda se esconderão
um ao outro dentro de gavetas em mesas de cabeceira
















sexta-feira, 30 de outubro de 2015

saber que as galinhas estão no choco
e a primavera no ovo,
o sol, na esquina, rebenta de novo


terça-feira, 27 de outubro de 2015

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

o homem


de tudo que vejo, penso no tempo que passa lento nos corpos desenhados em dez segundos
e nos dez segundos que fixam todo o tempo
no tempo que anda pedaço por pedaço do mesmo jeito, mas que parece ter pedaços mais longos que outros, onde se quer deixar ficar como uma flor num vaso, ou um regaço morno que nos cola na pele
o frio o calor a casa que se estende para o corpo deitar
penso no corpo do homem que morreu esta noite
que sentiu dor que sentiu a eternidade em poucos segundos num leito branco
penso no homem que partiu
no homem que plantava e que colhia, cozinhava e gritava com voz rouca e alta
para alimentar outros homens
penso no tempo que passou, um tempo longo
escolhendo um caminho, uma mulher, uma família, um teto
e todas a panelas e seus longos segundos que se fizeram ferver  experimentando nos temperos do homem um outro tempo
penso no tempo que o homem leu e descobriu segundos menos curtos e horas mais longas
e ficou andando longas distancias para voltar sobre seus passos de aventura e cura
penso no tempo de sol e de água que passava rápido como um acampamento que se faz no caminho
para alcançar outra praia, outra pescaria, outro tempo para descansar
e no tempo em que se fazia o almoço planejando o jantar
e no homem que ficava com os outros homens, nas noites longas, nos jogos de futebol,
nos olhos dos filhos
o homem que foi e voltou oceano a fora, que deitou sobre a areia do deserto
e riu e bebeu e comeu tâmara, o que o caminho plantava, e se admirava de tudo estar no lugar
aqui como lá do outro lado, que o tempo foi bom e generoso
que trouxe frutos, que também arrancou frutos do seu colo e o deixou órfão
penso no homem que trabalhou tanto tempo oferecendo mais tempo para a vida dos seres bichos
e que acolheu aqueles que passaram por sua porta
o homem gritava do seu jeito, ocupava a casa, a rua, a cidade, o mercado
os amigos do homem eram amigos de todos os segundos e em volta de um fogo passaram muitas vidas
o homem se foi, deixou castanha, jabuticaba, carambola, alecrim e manjericão, tudo plantado no chão firme e arejado no ar puro do seu cuidado
o tempo passa lento no início, quando se quer que seja rápido, que a árvore cresça, que se use calça longa e que os olhares vinguem num amor maior
o tempo passa rápido quando a vida com a sua beleza e frescor passa rápida
o homem se foi,
deixou o oásis


terça-feira, 13 de outubro de 2015


vento

o vento arranha o céu
cinza esparrama
empurra a porta 
pra dentro 
pra fora
o vento
corre
nem sabe de quem
louco assobia
fino
e grosso
o vento roda sem trégua,
o lombo da água 
o vento arrepia
pra cima
pra baixo
a onda,
grão de ervilha
o vento esganado
come
até unha roída,
o danado do vento engole
tanto é que soprou
o impeachment
pra amanhã
graças
ao vento
o rádio
o locutor
a midia
tem assunto de verdade



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

quero dizer corpo
e digo sopro
quero alinhar
de um golpe só
traço e olhar
ver o que existe
de eterno
entre linha e gesto
o humano gesto
de te olhar
com a ponta do lápis



terça-feira, 6 de outubro de 2015

desenho


há um gesto perplexo
desenhando
há um corpo estático
observando

olho conciso
abraçado
no traço

sexta-feira, 11 de setembro de 2015







mergulho fundo
na superfície rasa
o rumor
espalha enganos
que se dissolvem
lenta e sorrateiramente
na cabeceira da cama



quinta-feira, 10 de setembro de 2015

flor-
mór
tal qual
vi



foi dia
foi tempo
no contratempo
deu tudo
perfume
vida
floração

se foi assim
cor
coração
razão também
sombra
vestigio
e imaginação
sem fim

marginália 1




no inicio a margem habitava em tudo





semelhante meu semelhante
onde encontro o brilho
do olho posto bem antes
da palavra
ainda  visgo 
lavrando berço 
no curto gesto
empresto   


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

" Nada mais assustador que a ignorância em ação"   Goethe


o dado e o velado,
privar a pele da pele
e em carne viva
esquecer,
ganindo dentro



quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Súmula


Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
– Era uma casa – como direi? – absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
– Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.
As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar para além da loucura terrestre.
– Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.
Era uma casabsoluta – como direi?
um sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.
– Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.
Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
– Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.
Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.
Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.”
Herberto Helder

terça-feira, 25 de agosto de 2015

então já não estarás,
a espera vencida
te toma pela mão e te leva
onde o sal te consola
mesmo assim, carregas tanta vida
pulsando onde tudo te quer

desenho de Ana Hatherly
Partir sem ti não existe!
Voas aonde os olhos não podem alcançar,
E entre nós esse imenso céu...
A luz que ousamos reconhecer,
Pode cegar os nossos olhos,
Os mesmos que não alcançam o voo...
E na escuridão assumo, enfim, o risco,
De navegar num céu desconhecido,
Guiado apenas pelo que sinto:
A certeza de que não estou sozinho.
Encontrei quem me merece!
Nada de mim pode ser guerra,
Pois nada preciso fazer,
A não ser esperar...
Nenhuma promessa precisa ser feita:
A criação está jorrando!
A fonte foi aberta!
A força pode ser sentida,
E com um pouco de sorte,
Talvez meu peito não exploda.
Meu amor:
Neste branco papel,
Segura a minha mão,
E desenha o teu céu!

(Marcos Ungaretti}

sábado, 25 de julho de 2015



braços abertos
rosa visita
o inverno

“Dientes de flores, cofia de rocío, manos de hierbas, tú, nodriza fina, tenme puestas las sábanas terrosas y el edredón de musgos escardados.
Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame. Ponme una lámpara a la cabecera, una constelación, la que te guste, todas son buenas; bájala un poquito.
Déjame sola: oyes romper los brotes, te acuna un pie celeste desde arriba y un pájaro te traza unos compases para que te olvides. Gracias… Ah, un encargo, si él llama nuevamente por teléfono le dices que no insista, que he salido…”
Alfonsina Storni


deixo uma lâmpada acesa,
para quando encontrares palavra
possas reconhecer
na luz pouca, uma canção

deixo um verso, uma reza
num banco de praça qualquer
como vestigio branco da tarde
na lente clara do olhar

deixo um pássaro, uma pena
um jeito de voltar em câmera lenta,
no sol ou na chuva,
nesse tanto, um pedaço de espera

procuro pouso incerto
na soleira, um cão








terça-feira, 14 de julho de 2015

as tardes de abril- musica do Heron, letra minha

O sol arde às cinco
E chegas às seis
Me trazes calor
Me tiras o ar
Nas tardes de abril
Te abrigas em mim

O sal cai em gotas
Suor sobre ti
Que brilhas na luz
Metades de sol
Quem sabe de nós

Paisagem macia
Tua pele na minha
Em poros e pelos
Impressa inteira
Depois do luar
Desmanchar o dia

Saindo desenhas
Palavras no tempo
Sussurras nas horas
Silêncios de abril

nada



veio na madrugada
nos braços da chuva
maravilhada e muda
caio
nada tolda o dia
além


Samsiadade

de ashur
caminhante
cofiava barba e turbante

do tigre
serpenteante corpo
no ritmo que só ele ouvia

olho profético
na madrugada errante
levando a sombra
de companhia





sábado, 11 de julho de 2015

às vezes durmo pouco
às vezes acordo

às vezes,
o eco
me chama,

insiste em fazer
lembrar coisas passadas

singrando pelo silencio
da casa oca

ouço
o sono dormindo


quinta-feira, 9 de julho de 2015