segunda-feira, 25 de abril de 2011


calo

placebo é o que arde nas chagas

um mel destilado azedando a boca

alimenta o tempo

a cura é vertical


marco

na haste o timbre da gota

ainda lamenta a sombra

percebo a agulha na superfície

o poro engole o que é igual

qual corpo na travessia do espelho


parto

o raio lança contrários na cópia

há silêncios demais nas metades

esfrego o gomo na córnea opaca

vejo atrás o oceano calmo

Frank Sinatra & Antonio Carlos Jobim (1967 )

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Por delicadeza




Bailarina fui
Mas nunca dancei
Em frente das grades
Só três passos dei

Tão breve o começo
Tão cedo negado
Dancei no avesso
Do tempo bailado

Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei

Onde o mar aberto
E o tempo lavado?
Perdi-me tão perto
Do jardim buscado

Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei

Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse
Também eu direi:

«Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi a minha vida»

Bandolim

quinta-feira, 21 de abril de 2011

terça-feira, 19 de abril de 2011

ela


ela faz com que eu vá ao jardim olhar os vermes depois da chuva,
e o mofo das paredes estufadas descascando
mostrando outra parede
descascada atrás de outra
de outra
de outra
de outra

como o diploma que ganhei com a figurinha
segurando o diploma que segurava
outro diploma
outro diploma
outro,

de que, mesmo?
inferno¹,
um lugar traído!

só de olhar a criatura que segurava
outra,
onde um papel em branco gemia,
pela palavra que não sabia dizer
e ela dizia,
pela figurinha que não sabia desenhar
e ela desenhou,
mordeu,
lambeu,
fez a palavra nascer do fim para o início sangrando em silencio.

viu o lugar do silencio?
ele viu você?
voce estava em silencio?
e a folha em branco e outros lugares longe do céu²?
ela viu.

The Circle (1/6) (Persian with English subs)

sábado, 16 de abril de 2011

lua





cola no escuro
já quase cheia
sempre musa

fria afaga,
brilha dentro,
cada pedra
do fio que a mim aperta,
com seu aço acerta
o ramo da servidão

dor e lassidão,
deixa-se levar
traçado elíptico,
cravado punhal prateado
ligando cabeça e
trajeto

no meio, a fita
ata dor única
roda no pescoço
colar agulha,
pendente de um coração

terça-feira, 12 de abril de 2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A espera, a aliança e a ferrugem


Tudo o que nos abandona precisa de muito tempo para desaparecer

Tenho saudades tuas, Ernesto, mesmo com a aliança tenho saudades tuas, no outro dia vi-te com a tua mulher no supermercado e apesar disso consegui fazer as compras todas, uma pessoa da minha idade, talvez maior, mais bonita, achei esquisito não haver nada entre vocês há anos e embora ache esquisito acredito em ti Porque razão não voltaste a telefonar e me deixas assim, suspensa, à tua espera? Nem para o emprego (conheces o número do emprego) nem para casa, sabes que estou sozinha, não recebo ninguém, uma amiga de tempos a tempos que não impede que ligues, quando muito saio uma hora ou duas ao sábado para visitar a minha mãe, nunca vou ao cinema, nunca janto fora, como qualquer coisa por aqui, leio uma revista (nem leio uma revista, folheio, vejo as fotografias e é tudo, ou antes nem vejo as fotografias, fico a pensar em ti) poiso a revista, abro a televisão, fecho a televisão, vou à janela espreitar a rua, penso que é o teu carro a estacionar lá em baixo e nunca é o teu carro a estacionar lá em baixo, nunca és tu a fechar a porta com o comando eléctrico e as luzes do automóvel a acenderem-se e a apagarem-se, nunca são os teus dois toques de campainha, nunca é o teu aceno no capacho nem o embrulhinho de biscoitos de que não gosto e me forço a comer e a fazer dieta no dia seguinte dado que os biscoitos engordam, nunca é a tua mão no meu ombro - A minha menina o teu perfume, a tua maneira de acomodar o rabo no sofá, a tua aliança que apesar de normal me parece sempre enorme e me dói, não tenho coragem de te confessar que me dói mas dói, conforme me doem as tuas mentiras - Há anos que não há nada entre nós que me obrigam a perguntar, calada, se entre nós há alguma coisa, vinhas uma ou duas ocasiões por mês, não ficavas nunca e, no entanto, bastava-me, não peço muito à vida, não peço seja o que for à vida, acostumei-me, não tenho motivos para lamentar-me, o que ganho chega, graças a Deus a saúde não me tem faltado apesar do problema da coluna, tomo as injeções no posto médico e as coisas vão andando, o creme que me receitaram na farmácia ajuda, o apartamento claro que não é grande mas para mim sozinha chega e sobra, não existe uma prestação por pagar, arranjo sempre um dinheirito ao fim do mês, volta e meia compro um vestido, uns sapatos, os vizinhos não fazem barulho, há agora um bebé no primeiro direito mas sossegado, tenho saudades tuas, Ernesto, mesmo com a aliança tenho saudades tuas, no outro dia vi-te com a tua mulher no supermercado e apesar disso consegui fazer as compras todas, uma pessoa da minha idade, talvez maior, mais bonita, achei esquisito não haver nada entre vocês há anos e embora ache esquisito acredito em ti - És a minha menina preocupo-me com o teu coração sempre que levas a mão ao peito, tiras um comprimido de uma caixinha, me pedes água, me ofereces um sorriso pobre - Ferrugem na máquina e a seguir melhoras, suponho que o comprimido limpa a ferrugem toda, aflijo-me com a tua palidez, com o dedo a medir a pulsação julgando que não noto, como podia não notar, tudo o que te aflige assusta-me, não te aborreço - Que ferrugem na máquina? para que não te sintas velho ou inútil, suponho que tens sessenta anos e portanto uma vida inteira à frente, o emprego deve cansar-te, as maçadas, quando menos se espera descais-te num suspiro - A minha filha não há maneira de ter juízo e ignoro o que, na tua ideia, não ter juízo seja, fico calada, é evidente, trago-te aquele licor fraquinho que tu gostas, faço-te festas no pescoço, a medo, com receio de maçar-te, não reclamo seja o que for, não mendigo seja o que for, só desejava que de tempos a tempos te lembrasses de mim, há sete meses que nem uma palavra, inquieta-me que a ferrugem haja aumentado e estejas na sala de espera de uma consulta, emagrecido, pálido, digo - Ernesto em voz alta como se dizer - Ernesto e melhorasse, comove-me que andes a perder cabelo, que o nó da tua gravata um bocadinho torto, que uma tremura no queixo, pode ser que mais de sessenta anos, sessenta e cinco, setenta e apesar de setenta a vida inteira à tua frente à mesma, o que eu não dava para te ter aqui um momento, um minutinho, um instante, na tua última visita trazias dentes novos que te tornavam mais vigoroso apesar de mal pegados à gengiva e a incomodarem-te que se percebia por estares constantemente a empurrá-los com a língua, oxalá encontres um pó que segure a placa, a minha mãe usa um pó que segura lindamente a placa, repara-se que placa mas firme como uma lapa no queixo, mastiga de tudo, não te agradava ficar um momento comigo no sofá, não te anima o licorzinho, a quantidade de vezes que digo em voz alta, aqui em casa - Ernesto na esperança de um sorriso teu, mesmo pobre, mesmo aflito, na esperança de - A minha menina e eu, sem coragem de responder - O meu rapaz digo - O meu rapaz para dentro, não me sai, não consigo, faço tanta cerimónia, não me atrevo a procurar-te, a tentar saber de ti, a incomodar, a protestar - Que aliança tão grande, Ernesto eu que não casei nunca, uns namoricos, umas cartas cerimoniosas, um domingo, durante uma excursão no norte, um (desculpa) beijo, estava guardada para ti desde sempre, guardada para ti, Ernesto, seria incapaz de me imaginar com outro homem, continuo à tua espera, sabias, que arrumes o carro, subas, me garantas - A minha menina enquanto verificas se trazes a caixinha dos comprimidos no bolso, pode parecer-te parvo mas adorava acariciar a caixinha, não te rias de mim, ou antes não levantes na minha direção o teu sorriso pobre e a tua desculpa - A ferrugem mesmo que fosses um parafuso todo escuro adorava-te, guardada para ti desde sempre, a comer qualquer coisa sozinha, a folhear uma revista, a fechar a televisão, a deitar-me, guardada para ti, Ernesto, podes ter a certeza, desde o princípio do mundo.


domingo, 10 de abril de 2011

Chuva




Chovia...

Meu amigo começa a rir, diz que todo o texto que começa assim, é pra lá de ruim.
É como não saber dizer algo criativo, que prenda a atenção do leitor. Literatura, saca?
Ele é um bom escritor.
Mas, eu só queria dizer que choveu, duas vezes, na hora em que estávamos almoçando.
Uma chuva torrencial! Rápida. Quem fica nela se molha, encharca em poucos segundos, com literatura ou sem literatura.
Quando cheguei aqui, neste teclado, lembrei dessa lito que havia feito num inverno, a chuvinha caia.
Copiei e postei para dizer que choveu e que a imagem vale mais que umas palavras ruins e que eu já estou saindo para lavar uma loucinha que ficou lá na pia, depois da chuva.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

satélite






satélite
plano secreto
orbitante nos dedos





em busca do poema



abismo despenhadeiro penhasco

con v i v o
impulso persistência vidro


con v i v o
verdade acidente parede

vivo

douarnenez



começo a viagem
com eles chegando ao caminho das pedras
interdito
ele afável
ela em seu jeito
natural
eles sabem onde vão
eu sei
e por isto
mesmo alhures
testifico
faço um primeiro pesponto
espargindo
um pouco da solução
volátil sobre a pele dela
um pouco fica, algo se libera do extrato
que opera
suave
sobre as superfícies despertas
faço o segundo pesponto
e vejo a tela de nuvens negras
abrir-se em franja ao poente de depois da chuva
feita de um amarelo brancacento
que pensa o branco em mim
assim como quem diz
é só isto
em tudo e por fim
faço então o último pesponto
apanho estas três coisas
e ponho-as em tuas mãos
te beijo
arrumo a cama
e como bem pouco sei de tudo
e pouco resta
durmo




duplo


do cais em
bar cada

pon
til
han
do

ilhada

a cidade


olh
ando
andando


ni velo
bar co
em bar

na cidade

cidade ilha

cidade cais

cidade barco

cidade ponte

gravura

aula de desenho

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Silêncio anil

no insulto do quarto escuro

a ordem de cada peça

encilha a vergonha

(ninguém toca o instante)


reconhecerei a mão que arrancou a pele?


o recente algoz filtra o som

não há um só fio de sangue,

a pancada no pano emudece anil


é só um nódulo de ausência

o resto exato debaixo da urina

silencia