quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Hoje no mar


Hoje foi a nossa despedida do mar. Como era de costume, na véspera, na última noite do veraneio, jantávamos no restaurante da plataforma de pesca que existe na nossa praia. Pela manhã passeamos por lá com as crianças, que corriam à frente para olhar as latas de iscas dos pescadores, contar os peixes nos baldes e perguntar sobre o maior peixe do mundo. Passada a curiosidade, permaneciam com o olhar pendurado no mar, enquanto segurávamos suas mãos dentro das nossas. Sentados na beirada dos sarrafos, deixávamos nossas pernas balançando no vaivém das ondas. Então Lucinha pedia - Conta a história do tio Caco ? ... De novo Lu... ? Bem, na semana passada, o tio Caco voltava do restaurante desta mesma plataforma, era seu aniversário; O padrinho lhe dera de presente uma notinha de cem dólares. Colocou a nota dentro da carteira de cigarros, no bolso da camisa de mangas curtas que usava desabotoada. Num dado momento acendeu um cigarro... Era o último... Jogou a carteira no vazio...No mar! Vejam só! As crianças riam pela milésima vez e gritavam para as ondas, como gaivotas sobrevoando no azul. Olhava para aquele espaço ali, onde o tio Caco jogara a sua pequena fortuna e onde os surfistas passam ao largo; Via um terreno movediço engolindo toda a luz. Me arrepiava ao perceber os redemoinhos e sentir a massa d´água batendo contra as estacas fincadas no chão arenoso. Estas sensações eram tão fortes como uma sombra soprando as minhas lembranças; O vento me arrastava para uma região inabitada e sem nome, até que ouvia me chamarem no meio dos silvos do “nordestão” e voltava para o dia quente e luminoso, para o final da manhã, que seria coroada com os pastéis de queijo e camarão na barraca da Chica. Depois dos pastéis, voltamos para casa, e dormíamos debaixo de um ventilador de teto, que rangia o tempo inteiro saturado de maresia. Acordamos no meio da tarde sem visitas. O dia claro havia se escondido atrás da serra. Agora só se via a manta cinza e pesada que vinha da montanha. Chuva na certa. Os filhos já tagarelavam com os amigos de veraneio do condomínio, fazendo os acertos para o próximo ano. Anoitecendo e nenhuma estrela no céu sujo. No caminho de ida para a plataforma onde jantaríamos, sentimos que o tempo parava. Não pela vontade de ficarmos junto ao mar para sempre, mas pelo peso do ar, pela chuva, algum barulho longe roncando temporal. Sentamos à mesa, pai, mãe e filhos de olhos postos no mar atrá das vidraças e nos primeiros relâmpagos que iluminaram a noite. Os raios apareceram em série levando a luz elétrica, a calmaria aparente e todos os bons sentimentos que temos em volta da mesa com os nosso afetos. Nem respirávamos. Via a luz fluorescente que emanava dos olhos dos peixes nos pratos; Sentia o peso do vento e da água puxando, empurrando, batendo na estrutura plantada no fundo do espaço movediço, sem luz, o nada que me assombrava. Ouvia... um gemido? Na pele um ar gelado, na boca um meio sorriso, meio exorcisando o espanto de estar nesse meio, nesse medo. Engolimos aos poucos, engolia um jantar com gosto de susto, no ritmo da tempestade que ia desacelerando.

Hoje, quando a luz se fez, caminhamos na beira d’água, pulando sobre plantas, pedaços de troncos, destroços de pequenos naufrágios. As crianças, Lu e Gabi, excitadíssimas com a ultima olhada no mar, jogavam um pouco de água para cima respingando minúsculos sóis no ar. O oceano liso e calmo era um espelho depois do temporal. Sempre correndo à nossa frente pararam repentinamente mudos. Na areia um corpo escuro, inchado, a imensa mão deformada, cerrada, como se agarrasse a derradeira salvação: Uma carteira de cigarros, na pontinha aparecendo verde desbotada uma nota de dinheiro. Nos enormes olhos abertos, a cor do céu da manhã.

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