Quem tu és não importa, nem conheces
O sonho em que nasceu a tua face:
Cristal vazio e mudo.
Do sangue de Quixote te alimentas,
Da alma que nele morre é que recebes
A força de seres tudo.
"E se as histórias para crianças passassem a ser leitura obrigatória para os adultos?
Seriam eles capazes de compreender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?
Jun 10th 2010
WHEN she was photographed by the great Robert Mapplethorpe, Louise Bourgeois decided she needed a prop. She didn’t like to have her picture taken. At 70, she might have chosen a handbag, a book, a rose. Instead she took a two-foot-long, fully erect, fully veined and muscled phallus, which she had made of latex and plaster. She called it “Fillette”, and cradled it in her arms like a doll. Indeed, she said, it was not a phallus at all, but “Little Louise”. And with her sharp, puckish look, she dared anyone to contradict her.
Her sculptures were often not what they appeared to be. A beautiful white marble piece called “Cumul I” (1969) which seemed to show a cluster of eyes, or yet more phalluses, emerging from sheets, was about huddling together, she said; or just a collection of clouds. Her “Lair”, a big rubber pear-shape of 1986, was a hiding place, or a prison, or a peaceful orb, or a trap in which the viewer might find himself stuck. Her giant steel spiders, which teetered across the world from New York to St Petersburg to London’s Tate Modern, were both terrorising and protective. London’s, 35 feet tall, was called “Maman”.
With the art world in awe of her from 1982 onwards, when a New York retrospective drew her, very late in life, to popular attention, she got tired of explaining this or that protuberance in her landscapes of mounds and udders. Freud came in handy; she quoted him often. But claims of eroticism puzzled her. The shapes just suggested themselves, so she followed. They were all about pain, fear, demons and her past.
That, too, seemed a contradictory place. A comfortable middle-class upbringing south of Paris was presented as something close to child abuse; yet her first sculpture show, in New York in 1949 after she had married and left, was of tall, sad balsa-wood figures that represented “homesickness”. Her mother was not only a spider—a reference to her career as a weaver and repairer of tapestries—but a “She-Fox”, a huge-breasted creature of enduring stone squatting on haunches under which Louise tried to burrow, like a worm. Her father, handsome and philandering, was someone she longed to please; yet in 1974 an enormous tableau in plaster and latex, “The Destruction of the Father”, showed huge mammary forms round a table in a red-glowing cave on which the hated paterfamilias was torn up and devoured.
Even the gentle art of tapestry itself was transmuted into violence. In her works the spiralling spindle represented the beginning of chaos. The needle threatened the desecration of the stone, the penetration to the core. The twisting of the wet tapestries, lugged from the tannin-filled river, made Ms Bourgeois dream of twisting the neck of the plump English girl who had been her father’s mistress. Her childhood task in the workshop was to draw cartoons of the missing feet of figures; her mother, with delicate scissors, would snip out the genitals from tapestries destined for the puritan American market. Hence the liking for scattered body parts in latex, wax, bronze or marble, and the odd assemblages, such as “Nature Study” of 1984, where figures lacked heads but had multiple breasts, and phalluses, and claws.
From the volcano
She had claws herself. For years they went undetected. She attended the New York art shows on the arm of her art-historian husband, Robert Goldwater, like any smiling post-war wife, and brought up three sons placidly on huge bottles of milk, while thinking of the delicious fear induced by milk seeping from the mother, water from the earth, saliva from the snail, lava from the volcano. Her own “volcanic subconscious” was channelled into work done in wood, because it was quiet, or cobbled from objets trouvés, because she did not want to spend her husband’s money, and then hidden away, as a squirrel hid nuts, since art was a man’s world.
She believed this even in her last three celebrated decades. She was not a feminist particularly, but had seen enough of the power-games of the Duchamps and Bretons, the Pollocks and the Warhols. Some of her sculptures were of women trying to turn themselves into weapons. They remained fragile. She was not. Faced with a solid block—even the lovely curve of white marble that went to make “The Sail” in 1988—she needed to hack it to pieces, then rebuild it as she wanted. She raged to understand the stone. The more the material resisted, the more she fought it.
It was all about self-esteem, she said. She gained confidence by destroying the past. And if the finished work caused disquiet, as it usually did, that pleased her. She had connected with other people and attracted their regard, maybe their love. Isolation always haunted her. It lay behind the “Cells”, her series of installations in the early 1990s in which small, bleak rooms were viewed through half-opened doors or dirty windows. One contained a metal-framed bed in which someone was hiding. Another showed, beside a tray of perfume bottles, two stone hands twisted in pain.
Almost everything, she confessed, could be seen as a self-portrait. This was her, arching her body in a bronze hoop; her as a splayed, bug-eyed rabbit; her as a torso with orifices, like leaves, down her spine. And, yes, her being carried, tenderly as a doll, by an elderly woman in a monkey-fur coat with an impish, vicious smileEm 1947, Louise Bourgeois publicou na Gemor Press uma "suite" de nove gravuras - e outros tantos textos - com o título "He disappeared into complete silence", um trabalho considerado por alguns autores, entre os quais a historiadora de arte Rosalind Krauss, como o ponto de partida daquilo que viria a ser o seu trabalho escultórico.
A artista terá projectado para três dimensões os elementos arquitectónicos presentes nas imagens incluídas no livro - os edifícios esculpidos na paisagem, visíveis em algumas localidades africanas, por exemplo, são outra influência formal que se pode detectar nas primeiras esculturas de Bourgeois.
A chegada da artista, em 1938, aos Estados Unidos, é outro dos marcos decisivos de um percurso iniciado anos antes, em Paris. Depois de ter tentado estudar Matemática na Sorbonne, e após ter fugido ao ensino conservador das Belas-Artes, Bourgeois decide ir à procura da "autenticidade" numa série de academias parisienses, como as fundadas pelos pintores Paul-Elie Ranson, Rodolphe Julian ou a dirigida pelo escultor Filippo Colarossi, tendo ainda frequentado La Grande Chaumière, criada pela suíça Martha Stettler. Outros nomes, como os de André Lothe, Roger Bissière e Fernand Léger, encaminham a artista para o território da escultura, na qual ela se irá afirmar decisivamente a partir de meados dos anos 1940.
Mãe-aranha
Nascida a 25 de Dezembro de 1911, em Paris, filha de um casal de restauradores de tapetes, que chegou a dirigir uma galeria no Boulevard Saint-Germain, Louise Bourgeois é a segunda de três irmãos. A artista cedo manifestou um particular talento para o desenho, tendo ajudado os seus pais na criação de motivos para as tapeçarias. Segundo a cronologia feita para a exposição retrospectiva do Museu de Arte Moderna de Paris, em 1995, a mãe de Bourgeois, Joséphine Fauriaux, era uma "mulher equilibrada e racional" e evocava nela "um sentimento de segurança", enquanto o pai, Louis Bourgeois, "à vez imaturo, autoritário e volúvel", lhe fazia experimentar sensações da ordem do passional. A morte da mãe, em 1932, depois de uma longa doença, irá marcar decisivamente o percurso da escultora, que, nos últimos anos de vida, realiza uma série de obras em aço e mármore e com a forma de uma aranha, precisamente intituladas Maman (uma delas para a inauguração do Turbine Hall da Tate Modern, o museu londrino que lhe dedicou a última grande retrospectiva, em 2007-2008, exposição que depois viajaria para Paris, Nova Iorque e Washington).
Em entrevista a Suzanne Pagé e Béatrice Parent, publicada por ocasião da retrospectiva de 1995 (Louise Bourgeois: Sculptures, Environnements, Dessins, 1938-1995), a artista explica a existência de um duplo tema no caso das obras em que representa a aranha: "Desde logo, a aranha como protectora, a nossa protectora contra os mosquitos. [...] A outra metáfora é que a aranha representa a mãe." Bourgeois acrescenta: "A minha mãe era a minha melhor amiga. Ela era inteligente, paciente, tranquilizadora, delicada, trabalhadora, indispensável e, sobretudo, ela era tecelã - como a aranha. Para mim, as aranhas não são aterradoras."
O atelier de tecelagem, a actividade de tecer e o sentimento de protecção oferecido pela memória da mãe atravessam a obra de Louise Bourgeois, que, já nos Estados Unidos, realiza He disappeared into complete silence. A Lynne Cooke, curadora da Dia Art Foundation, em Nova Iorque, e autora de várias publicações sobre mulheres-artistas do século XX, nota que as estruturas, os sujeitos e as temáticas presentes nas peças escultóricas da artista nos reenviam não só para as "para as fábulas, mas também para os contos folclóricos ou de fadas". Para sustentar a sua tese, a historiadora convoca o texto da última gravura da série publicada em 1947, o qual se inicia com a frase: "Era uma vez uma mãe e o seu filho...", um começo que, nas suas palavras, "reenvia, numa tradição muito antiga, para o tempo indiferenciado das origens, enquanto os protagonistas, "a mãe", "o filho", participam de uma espécie de boa vontade deste género de conto." E acrescenta: "A imagem que acompanha a história - de um grande rigor arquitectónico e sem nenhuma personagem - está despida de afecto e resiste à narração."
A resistência à interpretação foi outra atitude constante em Bourgeois. Quando lhe pediam uma explicação acerca de um determinado trabalho, a artista dizia simplesmente: "Se a obra de arte não toca o espectador é porque falhei."
Sempre autobiográfica
Relacionada, primeiro, com os surrealistas e os construtivistas e, mais tarde, com os expressionistas abstractos, a artista conseguiu, contudo, escapar a estas classificações, criando uma obra singular, decididamente autobiográfica: um mundo sem correspondência no território dos outros. Há quem aponte a influência exercida pela arte produzida por esquizofrénicos, valorizada sobretudo por André Breton, central para autores como Max Ernst, André Masson, Antonin Artaud ou Jacques Lacan e que, no caso da escultora, se teria feito sentir sobretudo nos seus desenhos - uma disciplina em que Bourgeois se destaca.
"Se é interessante notar que a obra pré-escultórica de Bourgeois participa nesta exploração das características da arte esquizofrénica, é apenas porque a estrutura dessa arte pode ser vista, finalmente, na sua relação com a experiência do objecto parcial" - um termo trabalhado sobretudo no campo da psicanálise -, escreve Rosalind Krauss no seu ensaio Portrait Of The Artist as Fillette, de 1989. A escultora irá declinar esta fragmentação do "eu" de diversas formas, dando continuidade ao escândalo que foi a apresentação pública, no Salão dos Independentes de 1920, da obra Princess X, de Constantin Brancusi (a peça foi imediatamente retirada da exposição). "A coisa extraordinária acerca da recepção da escultura de Louise Bourgeois, desde o seu aparecimento, no fim dos anos 1940, até à conclusão dos anos 1980, é que era consistentemente descrita enquanto abstracta, abstracta no sentido da lógica formal modernista", sublinha Krauss.
A historiadora contrapõe então uma série de trabalhos onde a noção de objecto parcial (part-object) é visível: o seio em Trani Episode (1971-72); o pénis em Pregnant Woman (1947-49) e Janus in Leather Jacket (1968); o clítoris em Femme Couteau (1969-70); a vagina em Janus Fleuri (1968) ou Torso/Self-Portrait (1965-66 - esta série está representada em Portugal na Colecção Berardo); ou o útero em Le Regard (1966). São obras, continua Krauss, que nos confrontam individualmente, como Fillette (1968), ou em grupos, como Double Negative, peças nas quais "a escolha do meio escultórico - borracha, látex, plástico, gesso, cera, resina, linho - é sistematicamente empurrada para a evocação de órgãos corporais e mesmo o tratamento de materiais tradicionais, como o mármore e o bronze, consegue captar a distensão da carne inchada, a resplandecência do tecido membranoso".
Olhos, mãos, pés, sexos, aranhas, teias, celas, tesoura, corpos histéricos, mulheres vertiginosas, em espiral, em queda, espelhos, antigos armários: fios que tecem uma obra infinita. "O inconsciente é meu amigo", dizia a artista. Que afirmava também: "Não sou aquilo que sou. Sou aquilo que faço com as minhas mãos." Ou ainda: "A minha infância nunca perdeu a sua magia. Nunca perdeu o seu mistério. Nunca perdeu o seu drama."
Simone de Beauvoir chamava-lhe "a boca inútil", mas talvez fosse mais justo evocar Ariadne porque ela nos ensina, tal como Bourgeois, o caminho de volta a esse tempo antigo, habitado pela fábula. A sua obra é constituída por pulsões, desejos. E agora desapareceu num silêncio absoluto.
Resta contar a história, tal como nos é narrada no texto que acompanha a última gravura de He disappeared into complete silence:
"Era uma vez uma mãe de um filho. Ela amava-o com completa devoção.
E ela protegia-o porque sabia quão triste e cruel é o mundo.
Ele era sossegado por natureza e bastante inteligente, mas não estava interessado em ser amado ou protegido, porque estava interessado noutra coisa.
Consequentemente, numa idade precoce, ele bateu com a porta e nunca mais voltou.
Mais tarde ela morreu, mas ele nunca soube".